A fim de caracterizar a alegoria, poderíamos sublinhar como uma característica própria o fato de que nela “cada pessoa, cada coisa, cada relação pode significar qualquer outra” (Ibidem, p. 197). Em oposição ao símbolo, a alegoria não possui a sua clareza e harmonia, a sua pretensão de transparência e imediatez .
A alegoria “(...) mergulha no abismo que separa o ser visual e a significação, nada tem da auto-suficiência desinteressada que caracteriza a intenção significativa, e com a qual ela tem afinidades aparentes” (Ibidem, p. 187-188). Pelo contrário, remete à obscuridade, a uma certa ineficiência que a obriga a recorrer sempre a um sentido exterior, alheio. É a marca da cisão de um mundo estigmatizado pela Queda.
A alegoria barroca remete à concepção barroca da história, ou seja, a essa tensão entre a história-destino e a anti-história no marco de uma visão imanente da história.
Com respeito à história-destino, essa história selvagem é a figura da morte que vai servir como ordenadora. Na alegoria barroca a morte está permanentemente presente como aquele fundo do sentido. Todos os sentidos acabam por abismar-se no sem-sentido da morte, nesse fundo de que nada escapa às ações de qualquer homem e que conduz à ruína do mundo.
As cenas de martírio, a abundância de fatos onde se exalta a dor física, as imagens de decomposição e destruição acabam cobrando seu sentido no cadáver. “se os personagens do drama barroco morrem, é porque somente assim, como cadáveres, tem acesso à pátria alegórica. Se eles são destruídos não é para que acedam à imortalidade, mas para que acedam à condição de cadáver.” (Ibidem, p. 241)
A morte, então, não é o fim da vida senão que esta alojada no interior da vida, mora nela como um parasita que a constitui e que é seu princípio organizador. É esse sem-sentido, essa fatalidade, esse destino o fundo sobre o qual a vida se recorta e adquire o seu sentido. A vida está a serviço da morte.
No processo alegórico a vida do objeto lhe é subtraída para cobrar um novo sentido alegórico a partir da sua morte. Mas ao mesmo tempo, ao estabilizar as coisas dentro de uma significação, estas ficam fora da demolição à qual o desenvolvimento da história as arrasta. Nessa significação as coisas ficam imutáveis, indiferentes ao passo do tempo e são redimidas da vulnerabilidade da morte.
A alegoria como linguagem característica do drama barroco alemão produz a mediação entre a origem e a estrutura. De um lado, assinala a morte e, do outro, aponta para um intento de conservação da vida a partir da estabilização.
A origem emerge da historia quebrando a lógica do natural desenvolvimento dos acontecimentos nela inscritos e, ao mesmo tempo, está inserida nessa história. É ruptura, morte da ordem de sentido estabelecida que é surpresa pela novidade de um novo sentido que emerge.
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